segunda-feira, outubro 20, 2003

a Tula sempre reclama que eu não uso este blógui pra publicar textos. então lá vai, uma crônica novinha, recém saída da cachola

BOULEVARD IMUNDO
ou
DAS ESTRANHAS PROVAS DE AMIZADE


Eram quatro. Talvez no princípio fossem mais. Agora eram quatro e bebiam à indiferença do mundo. Ou será que bebiam a indiferença do mundo. Agora não faz diferença. O que importa é que eram quatro e bebiam num círculo risonho e um pouco histérico no meio das gentes. E as gentes ora os designoravam por consideração ou interesses. E os garçons corriam o vinho e os copos nunca esvaziavam. Não para aqueles quatro. A festa terminou com as pequenas vitórias e as pequenas derrotas. Com os pequenos tumultos e alguns insultos. Com rimas sem graça e pessoas caindo.

A avenida parecia deserta. Estava. Numa Porto Alegre de Bienal e Casa Cor, pouco antes da Feira do Livro, com seu milhão e pouco de habitantes supostamente eriçados de cultura, a coisa estava deserta. E o carro estava longe. Principalmente para padrões ébrios de caminhada. Eram três mulheres e um homem, aqueles quatro. Ou duas mulheres e um casal, para que fique mais claro. O casal ia de carona. E o carro estava longe, balançando além das escotilhas dos óculos. E a mulher carona cai, rola e ri na avenida imunda. Leva junto o casal. Quatro pernas de bailarina escondidas sob duas meias saltam e inverte o sentido da saia, uma calça social tem um fio puxado. Riem na avenida imunda entre os arranhões e os hematomas que só serão sentidos nos dias que virão. O casal se levanta. O casal a levanta. Com cuidado abrem a porta e instalam a mulher carona, cinto e tudo o mais. O carro parte em direção a um bar como cabe aos automóveis conduzidos por bêbados contentes fazer.

No meio do caminho tinha um Camaro. Tinha um Camaro no meio do caminho. E o Camaro, vermelho, 1968, placa preta de colecionador, pertence ao ex-namorado da mulher motorista. Estava estacionado na frente de um bar. Mas não do bar destino daqueles quatro. Estava na frente de um muito fechado e poluído de ar-condicionado e publicitários. E de malditos advogados bebendo seus drinques flamejantes. Optaram por ficar de pé sobre a boca de lobo fétida da esquina, fazendo suas cervejas render com goles das bebidas de outros. E a mulher carona provou que fêmeas também são lascivas só por ser lambendo a nuca de um conhecido que passava. Os três demais riram, olhos atentos para que nada passasse mais do limite. Existe sempre um limite para o quanto uma pessoa considerada moderadamente sã pode se arrepender numa manhã seguinte. Principalmente quando já se acumulou um certo número de milhas no cartão das manhãs seguintes. A lambida estava de bom tamanho. Novos goles. Trinta anos bebendo e ainda caindo na besteira divertida de misturar vinho, cerveja, whisky e, bom, eles não hão de lembrar o nome de todas as coisas que beberam de copos amigos, interessados ou interesseiros naquela noite. Os não-fumantes acenderam cigarros. Era hora de partir. A mulher carona não estava muito bem. Mas, antes, a mulher queria ir ao banheiro.

entretanto

Ela decidiu que o faria depois, em um local mais adequado. O carro com os quatro deu algumas voltas. O carro com os quatro reencontrou seu caminho de ida. O carro com os quatro estacionou em fila dupla. O carro com os quatro ao lado do Camaro vermelho 1968 placa preta de colecionador. E a mulher carona desembarcou. E a mulher carona apoiou o braço esquerdo na janela do Camaro vermelho1968 placa preta de colecionador. E a mulher carona enfiou o dedo direito dentro da boca. E a mulher carona acertou o trinco da porta do motorista do Camaro vermelho 1968 placa preta jóia máxima da coleção do ex-namorado de sua amiga. Os quatro partiram.

Conhecemos nossos melhores amigos quando enfiam o dedo na goela por nós.

segunda-feira, outubro 06, 2003

o maior paradoxo de se trabalhar com edição é que, quanto menos se tem para alterar, mais tempo esta alteração demora para ser feita.

Aí é que fica bom relembrar de nunca acreditar quando te dizem que qualquer coisa em quinze minutinhos fica pronto.

Ah, o que uma semana sem dormir por causa de um trabalho não fazem com a gente...